sexta-feira, 13 de junho de 2014

Brasil, um país em greve










Por Eric Gil
Às vésperas da Copa do Mundo da FIFA, o Brasil borbulha de norte a sul e parece prestes a estourar.
Um ano atrás, iniciava-se o que ficou conhecido como as Jornadas de Junho, uma série de manifestações onde milhões de pessoas tomaram as ruas do país, fazendo com que quase todos os aumentos de tarifa de transporte público coletivo fossem revogados, o que resultou em uma taxa de inflação do transporte público praticamente de 0%.
Muitos analistas, na ocasião, lembraram de um fato relevante, o qual aconteceu anteriormente às Jornadas, desmistificando a tese de que as grandes manifestações foram totalmente espontâneas e desconectadas de um contexto anterior: o aumento da quantidade de greves. Em 2012, segundo o balanço divulgado pelo DIEESE, esta marca foi de 873 paralisações pelo país, a maior desde 1997, e 58% a mais do que o ano anterior.
Infelizmente o DIEESE ainda não atualizou estes dados para este ano, o qual nos impossibilita a análise comparativa. No entanto, a Folha de São Paulo lançou, recentemente, uma ferramenta de contabilidade de protestos em dez das principais cidades do país, o “protestômetro”. Segundo esta ferramenta, desde 31 de março deste ano, estas dez cidades já presenciaram 400 protestos em suas ruas.
Mas uma greve é o símbolo do momento que o país vive, a dos metroviários do estado de São Paulo. Em greve desde a meia-noite do dia 04 para 05 deste mês, a qual suspenderam ao menos por dois dias, os trabalhadores do metrô seguem o exemplo dos garis cariocas, e enfrentam grande repressão do governo por ganhos reais mais significativos, ao invés da proposta oficial. Diferente de anos anteriores, os trabalhadores lutam não mais pela manutenção dos seus salários, e sim por verdadeiros ganhos reais, realmente acima da inflação.
Com apoio de 80% da população, segundo o R7, parece ser natural que as pessoas achem estranho que falte dinheiro para aumento salarial dos metroviários – que hoje têm um piso de R$1.323,55 e pedem aumento de 12,2%, o que daria um crescimento real de 5,83%, se considerarmos o IPCA de maio, até então o governo só cedeu 8,7% – pois o metrô de São Paulo foi pivô de um escândalo que, segundo o Ministérios Público, o prejuízo gira em torno de R$2,5 bilhões. Além disto, a esperança ainda vem de meses antes, quando os garis cariocas arrancaram 37% de aumento nos seus salários.
O saldo desta greve, até então, é digno do selo Geraldo Alckmin: demissões, acidentes de trabalho, repressão e imposição – a assembleia que ocorreu nesta noite do dia 09, aceitou a proposta dos 8,7%, mas definiu uma nova assembleia para quinta-feira, com possibilidade de paralisação. Em uma medida absurda, o secretário estadual de Transportes Metropolitanos do estado de São Paulo, Jurandir Fernandes, anunciou a demissão de 42 grevistas, alegando que as “demissões [foram] por justa causa, [e contaram com] aqueles que já foram catalogados, com provas materiais de vandalismo, aqueles que barraram fisicamente, que incitaram a população a pular a catraca”. Além disto, hoje ocorreu a morte de um operário nas obras do monotrilho da linha 17 – ouro do metrô, o qual deixam claras as condições de trabalho dadas para as obras públicas. Nenhuma surpresa para quem protagonizou tragédias como Pinheirinho e tiros de bala de borracha em jornalistas.
Em mais uma tentativa de desmoralizar o movimento, Jurandir Fernandes ressuscitou o argumento de que não existe “almoço grátis”, ao falar da proposta do Sindicato dos Metroviários para a Catraca Livre em meio à greve. O secretário taxou como “baboseira”, e lembrou que o passe livre é algo romântico. Para ele, o passe livre, ou catraca livre, será pago pela Dona Maria lá do Pontal do Parapanema, via impostos. Chamando de “criançada entusiasmada”, ele diz que isto seria “o auge de um orgasmo coletivo”. Bem, realmente não existe “almoço grátis”, o orçamento de SP, de quase 200 bilhões de reais, deve ir para algum lugar, e o que o passe livre propõe é que o orçamento da secretaria do Jurandir, que hoje equivale a 4,9% das despesas totais, seja ampliada (em detrimento de outras) para garantir que o transporte seja um direito (por isto a palavra “transporte não é mercadoria”, e sim um direito). A prioridade de para onde vai o almoço é uma disputa política. Mas será que Dona Maria que vai pagar? Ela já paga uma tarifa de, hoje, 3 reais. Mas o lucro está embutido aí, o que poderia fazer com que diminuísse a tarifa, caso não houvesse. Mas a Maria já paga sua tarifa de metrô ou ônibus para ir trabalhar além dos impostos. Quem vai pagar é o Carlos, do Morumbi, e não a Maria do Pontal do Parapanema, que hoje paga em dobro (imposto e tarifa).
Enquanto isto, em todo o Brasil outras greves pipocam. Hoje, professores em greve do Rio de Janeiro e São Paulo fizeram atos. No Rio, metroviários decidirão nesta terça se também entrarão em greve. Em Curitiba, técnico-administrativos e trabalhadores da saúde, ambos em greve, fizeram um protesto contra a implementação da EBSERH. Em Natal, que também será cidade-sede, rodoviários decidiram entrar em greve na quinta-feira, dia que começa a Copa do Mundo. Em João Pessoa, trabalhadores da CAGEPA, Companhia de Água e Esgotos da Paraíba, entraram hoje em greve. E assim a lista parece não ter fim.
Se teremos, um ano depois, um “novo junho” não sabemos, mas que a Copa do Mundo propiciou um terreno de revoltas populares e greves em todo o país já é um fato. Bem, pelo jeito nesta Copa vai ter greve.
Fonte: http://www.controversia.com.br/

Metrô e Judiciário cometem ilegalidades contra direito de greve dos metroviários

Jorge Luiz Souto Maior

Tem-se assistido nos últimos meses, em âmbito nacional, um ataque generalizado contra as greves, fundado no argumento do respeito à legalidade. Mas, o que tem havido, juridicamente falando, é a negação do direito de greve tal qual insculpido na Constituição Federal:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Verdade que a própria Constituição prevê que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (§ 1º.) e que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.
É óbvio, no entanto, que essas especificações atribuídas à lei não podem ser postas em um plano de maior relevância que o próprio exercício da greve. Em outras palavras, as delimitações legais, para atender necessidades inadiáveis e para coibir abusos, não podem ir ao ponto de inibir o exercício do direito de greve.
A aversão cultural à greve, difundida por setores da grande mídia, infelizmente invadiu o próprio Poder Judiciário trabalhista, de tal modo a não permitir a percepção de que mesmo a Lei n. 7.783/89, que regulou com restrições que já seriam indevidas se considerarmos a amplitude do texto constitucional, não foi até o ponto de limitação ao qual o Judiciário tem chegado.
Vejamos, por exemplo, o caso dos metroviários de São Paulo.
Diante do anúncio da greve, deflagrada com respeito aos termos da legalidade estrita, ou seja, por meio do sindicato, mediante assembleia e comunicação prévia, de 72 (setenta e duas) horas, a entidade empregadora, Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, em vez de iniciar negociação, como determina a lei, se socorreu da via judicial, por meio de ação cautelar, para impedir a ocorrência da greve.
Essa foi, portanto, a primeira ilegalidade cometida pelo Metrô, que pode ser vista, inclusive, como ato antissindical, o que é coibido pela Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil, e já mereceria repúdio imediato do Judiciário. Lembre-se que o Brasil, mais de uma vez, foi repreendido pela OIT pela inexistência de mecanismos específicos que impeçam as práticas antissindicais, como se deu, em 2007, quando professores, dirigentes do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), ligados a várias universidades – Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Universidade Católica de Brasília (UCB), Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP) e Faculdade de Caldas Novas (GO) – foram dispensados após participação em atividade grevista.
Indicando uma sensível mudança nesta postura do Judiciário frente ao direito de greve, é oportuno destacar a recente decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em ação civil pública movida pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região (Processo n. RR 253840-90.2006.5.03.0140, Rel. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho), que condenou alguns Bancos (ABN AMRO Real S.A., Santander Banespa S.A., Itaú S.A., União de Bancos Brasileiros S.A. – UNIBANCO, Mercantil do Brasil S.A., Bradesco S.A., HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo e Safra S.A) a pagarem indenização à classe trabalhadora por terem utilizado a via judicial como forma de impedir o exercício do direito de greve, o que foi caracterizado como conduta antissindical.
Segundo consta da decisão do TST: “A intenção por trás da propositura dos interditos era única e exclusivamente a de fragilizar o movimento grevista e dificultar a legítima persuasão por meio de piquetes”.
Nos casos aludidos teria havido abuso de direito das entidades patronais, ao vislumbrarem “o aparato do Estado para coibir o exercício de um direito fundamental, o direito dos trabalhadores decidirem como, por que e onde realizar greve e persuadirem seus companheiros a aderirem o movimento”.
Aliás, várias são as decisões judiciais que começam a acatar de forma mais efetiva e ampla o conceito do direito de greve, como se verificou, por exemplo, nos processos ns. 114.01.2011.011948-2 (1ª. Vara da Fazenda Pública de Campinas); 00515348420125020000 (Seção de Dissídios Coletivos do TRT2); e 1005270-72.2013.8.26.0053 (12ª. Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo).
De tais decisões extraem-se valores como o reconhecimento da legitimidade das greves de estudantes, dos métodos de luta, incluindo a ocupação, e do conteúdo político das reivindicações, decisões estas, aliás, proferidas sob o amparo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, na qual se consagrou a noção constitucional de que a greve é destinada aos trabalhadores em geral, sem distinções, e que a estes “compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender”, sendo fixado também o pressuposto de que mesmo a lei não pode restringir a greve, cabendo à lei, isto sim, protegê-la. Esta decisão consignou de forma cristalina que estão “constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas, greves de protesto” (Mandado de Injunção 712, Min. Relator Eros Roberto Grau).
Trilhando o caminho dessa decisão, recentemente, o Min. Luiz Fux, também do STF, impôs novo avanço à compreensão do direito de greve, reformando decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) no que tange ao corte de ponto dos professores da rede estadual em greve. Em sua decisão, argumentou o Ministro: “A decisão reclamada, autorizativa do governo fluminense a cortar o ponto e efetuar os descontos dos profissionais da educação estadual, desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeira garantia fundamental” (Reclamação 16.535).
Além disso, a Justiça do Trabalho, em decisões reiteradas de primeiro e segundo graus, tem ampliado o sentido do direito de greve como sendo um “direito de causar prejuízo”, extraindo a situação de “normalidade”, com inclusão do direito ao piquete, conforme decisões proferidas na 4ª. Vara do Trabalho de Londrina (processo n. 10086-2013-663-09-00-4), no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª. Região (processo n. 0921-2006-009-17-00-0), na Vara do Trabalho de Eunápolis/BA (processo n. 0000306-71-20130-5-05-0511), todas sob o amparo de outra recente decisão do Supremo Tribunal Federal, esta da lavra do Min. Dias Toffoli (Reclamação n. 16.337), que assegurou a competência da Justiça do Trabalho para tratar de questões que envolvem o direito de greve, nos termos da Súmula Vinculante n. 23, do STF , integrando o piquete a tal conceito.
Pois bem, voltando ao caso específico da obrigatoriedade de negociação para continuidade das atividades do empregador em caso de greve, se ainda há dúvida a respeito vejamos o que diz a lei.
Preceitua o artigo 9º da Lei n. 7.783/89 que “Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.” – grifou-se
Resta claro, portanto, que deflagrada a greve, que é um direito dos trabalhadores, cumpre a estes e ao empregador, de comum acordo, definirem como serão realizadas as atividades inadiáveis. As responsabilidades pelo efeito da greve não podem ser atribuídas unicamente aos trabalhadores, até porque esses estão no exercício de um direito. Aos empregadores também são atribuídas responsabilidades e a primeira delas é a de abrir negociação com os trabalhadores, inclusive para definir como será dada continuidade às atividades produtivas.
Não pertence ao empregador o direito de definir sozinho como manterá em funcionamento as atividades. A manutenção das atividades do empregador, com incentivos pessoais a um pequeno número de empregados, que, individualmente, resolvem trabalhar em vez de respeitar a deliberação coletiva dos trabalhadores, constitui uma ilegalidade, uma frustração fraudulenta ao exercício legítimo do direito de greve.
Ou seja, para a lei, a tentativa do empregador de manter-se funcionando normalmente, sem negociar com os trabalhadores em greve, valendo-se das posições individualizadas dos ditos “fura-greves”, representa ato ilícito, que afronta o direito de greve.
Qualquer tipo de ameaça ao grevista ou promessa de prêmio ou promoção aos não grevistas constitui ato antissindical, tal como definido na Convenção 98 da OIT (ratificada pelo Brasil, em 1952), que justifica, até, a apresentação de queixa junto ao Comitê de Liberdade Sindical da referida Organização.
No que se refere às consideradas atividades essenciais, a lógica é exatamente a mesma. O artigo 11 da lei 7.783/89 dispõe que “Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (grifou-se), acrescentando o parágrafo único do mesmo artigo que “São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
As responsabilidades quanto aos efeitos da greve atingem, portanto, igualmente, trabalhadores e empregadores. Isso implica que cumpre ao empregador iniciar negociação com os trabalhadores, coletivamente considerados, para manutenção das atividades, estando impedido de fazê-lo por conta própria, utilizando-se de trabalhadores que, por ato individual, se predisponham a continuar trabalhando, seja por vontade própria, seja por pressão do empregador, em virtude de ocuparem cargos de confiança (supervisores, por exemplo) ou por se encontrarem em situação de precariedade jurídica.
Não pode haver dúvida, portanto, de que o Metrô ao se valer da via judicial para que obtivesse decisão judicial obrigando os metroviários a manterem 100% da frota em funcionamento no horário de pico descumpriram sua obrigação legal de definirem essa questão de comum acordo com os trabalhadores, cometendo grave ato de natureza antissindical.
Cometeu ilegalidade também ao manter o funcionamento de algumas estações e alguns trens por meio da utilização dos serviços de empregados do setor administrativo e com função de supervisores, porque essa possibilidade não lhe é conferida por lei, além de se constituir descumprimento da obrigação de manter um ambiente de trabalho seguro, tendo posto em risco a vida desses trabalhadores e dos consumidores dos serviços.
Não satisfeito com o indeferimento da liminar em ação cautelar, o Metrô, mantendo a linha da ilegalidade, propôs dissídio de greve, obtendo liminar que determinou aos trabalhadores a obrigação de manter 100% do funcionamento dos trens nos horários de pico (das 6h às 9h e das 16h às 19h) e de 70% nos demais horários de operação, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00.
Ora, do ponto de vista legal, essa definição teria que ser fixada de comum acordo entre trabalhadores em greve e a entidade patronal e não pelo Judiciário, ainda mais antes de ter sido iniciada uma negociação a respeito entre as partes. Além do mais, o percentual fixado equivale, na essência, a negar a própria existência da greve, o que fere a lógica normativa.
Ainda que houvesse a iminência de um risco de grave dano à população como um todo em virtude da greve, cabia ao Judiciário chamar à responsabilidade a entidade patronal e não dar guarida à sua pretensão de utilizar a via judicial como forma de descumprir a obrigação legal da negociação quanto à forma de continuação das atividades.
Vale frisar que pelos parâmetros legais não é possível obrigar os trabalhadores retornarem ao trabalho, mesmo no caso de atividades essenciais, pois como preconizado pelo art. 12 da lei em comento,  não se chegando ao comum acordo, cumpre ao Poder Público assegurar a prestação dos serviços indispensáveis.
Na linha das ilegalidades cometidas contra o direito de greve, veio o grave ataque da Polícia Militar, na sexta-feira, aos trabalhadores que exerciam o seu lídimo direito de realizar um piquete na estação Ana Rosa do metrô. Ora, como dita o art. 6º. da Lei n. 7.783/89, “são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”.
Verdade que esse mesmo dispositivo diz que “As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa” (§ 3º.), mas o que se pode extrair daí é a existência de um conflito de direitos, que se resolve em contenda judicial, e não pela via do “exercício arbitrário das próprias razões”, que, inclusive, constitui crime, conforme definido no art. 345, do Código Penal, sendo certo, ainda, que no conflito de direitos há que se dar prevalência ao exercício do direito de greve, pois no Direito do Trabalho a normatividade coletiva supera a individual, a não ser quando esta seja mais favorável. Recorde-se que é a partir dessas premissas que se tem entendido imprópria a interposição de interdito proibitório contra piquetes, como visto acima.
Assim, não é função da Polícia Militar intervir em conflito trabalhista e definir arbitrariamente que direito deve prevalecer, reprimindo um interesse juridicamente garantido e tratando trabalhadores como criminosos.
No caso específico do ataque feito pela “tropa de choque” da Polícia Militar aos metroviários a gravidade da ilegalidade cometida, que foi ilegal também porque feriu direitos de personalidade dos trabalhadores, já que a integridade física e moral de muitos foi concretamente atingida, ganha o gravame de ser a Polícia Militar diretamente ligada ao chefe do Poder Executivo do Estado de São Paulo, que também responde pela Companhia Metropolitano de São Paulo.
Assim, o governador, que teria autorizado expressamente a operação, segundo informa a imprensa [1], utilizou, indevidamente, a força policial a serviço de um interesse próprio, dentro da esfera restrita de um conflito trabalhista com os trabalhadores do metrô, desviando a Polícia de sua função específica e cometendo um grave atentado ao direito sindical, até porque sua ordem não foi embasada em qualquer autorização judicial.
Não bastasse isso, noticia-se que o governo estadual enviou, na manhã de sábado, 220 telegramas para pressionar condutores de trens a comparecerem ao trabalho a partir das 14h, em mais um ato de flagrante ilegalidade, pois como dispõe o § 2º., do art. 6º. da Lei n. 7.783, “É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”.
Como se vê, houve uma gama enorme de ilegalidades cometidas contra o direito de greve que fora regularmente exercido pelos metroviários e chega a ser surreal imaginar que em um julgamento, marcado para o domingo, o Judiciário trabalhista, deparando-se com todas essas questões fáticas e jurídicas, julgue a greve ilegal.
Ora, os trabalhadores exerceram o seu direito. O Metrô não cumpriu sua obrigação de negociar o prosseguimento das atividades, indo direto à via judicial. O Judiciário, sem instaurar negociação, ou seja, em decisão liminar, definiu a continuidade dos serviços de um modo que, em concreto, negou o exercício do direito de greve.
Depois, na negociação iniciada no processo judicial instaurado, já sob o peso de uma condenação, ainda assim os trabalhadores propuseram uma solução para que a atividade essencial fosse mantida: a abertura das catracas, aceitando, inclusive, o não recebimento de salário pelo dia de trabalho. Mas, a proposta foi recusada, sob o discutível argumento de que essa solução estaria impedida pela lei de responsabilidade administrativa e não houve qualquer contraproposta, mantendo-se o Metrô sob o parâmetro já definido arbitrariamente pelo Judiciário.
Além disso, o Metrô colocou estações e trens em funcionamento por pessoal não especializado, com apoio policial, sem autorização judicial para tanto. O governo estadual direcionou a Polícia Militar para coibir atividade de piquete de trabalhadores, chegando a agressões físicas e morais, e enviou telegramas aos trabalhadores, coagindo-os ao trabalho.
Foram, efetivamente, várias as ilegalidades cometidas contra os trabalhadores e ainda na perspectiva da legalidade não cumpre avaliar se o percentual de reajuste pretendido pelos metroviários (12,2%, que reflete o IGPM mais o aumento da demanda do ultimo ano – produtividade) é alto ou não, até porque a Constituição Federal garantiu aos trabalhadores os meios jurídicos para buscarem melhores condições de vida e de trabalho.
Ademais, as propostas formuladas não se limitam ao aspecto econômico, trazendo, também, discussões em torno do plano de carreira, inclusive para enfrentar o “turnover” (rotatividade de pessoal). Vale lembrar que o próprio relator do processo, Desembargador Rafael Pugliese, já chegou a sugerir um percentual de 9,5%, contra os 8,7% oferecidos pelo Metrô, que foi recusado por este,  e mesmo as propostas de plano de carreira, que não envolvem questão econômica imediata, também não foram aceitas. De fato, a dinâmica da negociação entre trabalhadores e empregadores é que vai definir as possibilidades de sucesso das respectivas pretensões, cumprindo-lhes, enquanto isso, por ato de comum acordo, garantir “a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, acordo este que, até o momento, foi obstado pela Companhia Metropolitano de São Paulo, por intermédio da utilização de mecanismos que afrontaram vários preceitos legais.
Para preservar a autoridade da ordem jurídica, portanto, cumpre ao Judiciário garantir o direito de greve, podendo, por exemplo, autorizar, na ausência de outra proposta trazida pelo Metropolitano, a liberação das catracas como forma de garantir “a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, até porque essa é, de fato, a vontade de 90,29% dos que responderam a pesquisa realizada pelo portal R7.
É essencial, ainda, que sejam reprimidas as diversas ilegalidades até aqui cometidas pela Companhia Metropolitano de São Paulo e pelo governador do Estado de São Paulo, valendo lembrar que a atitude antissindical do Metrô já se manifestou anteriormente, em 06 de agosto de 2007, quando por conta da greve ocorrida nos dias 02 e 03 de agosto, essa entidade promoveu a dispensa de 61 metroviários.
Aliás, na linha da criação de institutos de inibição de mecanismos de repressão ao direito de greve, conforme requerido pela OIT, é relevante que se passe a pensar também o quanto as condutas de certos meios de comunicação, que divulgam informações equivocadas quanto ao exercício do direito de greve, se configuram como atos antissindicais, vez que tentam deslegitimar as greves e desmoralizar os grevistas, acusando-os de estarem causando um mal à população, negando, em concreto, a greve como um direito fundamental, como de fato é segundo previsto em nossa Constituição.
Bem verdade que a população, que, na sua maior parte, cada vez mais se identifica como trabalhadora na sociedade de classes, já não se deixa mais levar pela informação massificada e desvirtuada da realidade, como demonstra o resultado da pesquisa realizada pelo portal R7, que aponta que 82,2% dos que responderam a pesquisa concordam com a greve dos metroviários. Mas isso não retira o caráter de ilegalidade, por se constituir conduta antissindical, em que se traduzem as propagandas midiáticas contra as greves.
Jorge Luiz Souto Maior, professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.
[1]“O secretário comentou a ação da PM na manhã desta sexta na estação Ana Rosa, quando policiais agrediram os grevistas com bombas de gás e balas de borracha. Ele disse que manteve contato com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o secretário de Estado da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, para pedir reforço policial.
— Eu tinha exposto ao governador que havia risco hoje de situação de radicalização. Nas primeiras horas, recebi as informações de que eles ocupavam duas estações. O governador foi muito tranquilo e pediu uso de energia, dentro da lei.” (acesso em 07/06/14).
Link original da matéria


Texto postado por: Ricardo Alvarez 

Fonte: http://www.controversia.com.br/

Nossa luta é por Direitos!


Os gastos com a Copa provocaram revolta  entre a  população, pois direitos sociais previstos na Constituição Federal não têm sido respeitados:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.


Os gastos com a Copa estão de fato exorbitantes, mas os gastos com a dívida pública têm sido os principais responsáveis pela negação dos direitos sociais. Veja que os interesses populares são continuamente colocados em segundo plano.

Para se ter uma ideia, com os R$ 718 bilhões gastos pelo governo federal com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública em 2013 seria possível construir 595 estádios do Maracanã (RJ) ou 397 estádios Mané Garrincha (DF), mesmo considerando o preço superfaturado dessas obras.

A dívida externa supera 485 bilhões de dólares e a dívida interna federal já alcança quase 3 trilhões de reais. Essas dívidas, que beneficiam principalmente o setor financeiro e grandes corporações, crescerão ainda mais por causa dos gastos com a Copa.


Com os R$ 718 bilhões gastos com a dívida em 2013 poderíamos construir:


929 mil Unidades Básicas de Saúde
(Considerando o custo unitário de R$ 773 mil, conforme Portaria nº 340/2013, do Ministério da Saude)
14 milhões de casas populares


(Considerando o custo unitário de R$ 50 mil)
765 mil escolas (de 6 salas de aula cada uma)


(Considerando o custo unitário de R$ 939,4 mil, constante na publicação “Orientação para elaboração de Emendas Parlamentares – 2012”, do Ministério da Educação, pág 17)



Orçamento Geral da União (Executado em 2013)
Total = R$ 1,783 trilhão
Fonte: Senado Federal – Sistema SIGA BRASIL – Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida. 
Nota: Inclui o “refinanciamento” da dívida, pois o governo contabiliza nessa rubrica grande parte dos juros nominais. Não inclui os restos a pagar de 2013, pagos em 2014.


Fonte: 


Banco Central do Brasil

Ministério dos Esportes

Copa pra quem?

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Manifestação realizada em Recife - PE
Para 170 mil famílias removidas, a Copa deixará uma memória diferente do que para aqueles que fazem parte da minoria da população brasileira que poderão adquirir os ingressos para ver jogos da Copa do Mundo e não sofrerão nenhuma perda direta como consequência dela.
No Rio, mais de 20 mil famílias perderam suas casas desde 2009 e só neste ano, de acordo com o Comitê da Copa e das Olimpíadas, 3.099 famílias foram removidas e 7.843 estão ameaçadas.
Cidadania, direito, democracia para quem?
O Rio de Janeiro está hoje fadado a um projeto que tem como objetivo transformá-lo numa cidade global. Para isso os monopólios e o governo discutem de costas para a sociedade planos e metas necessários para transformar o Rio numa cidade de referência no circuito mercantil e econômico da “globalização”. Para tanto, o Rio precisa passar por uma política de higienização, mesmo que isso fuja à constitucionalidade, violando os direitos dos cidadãos que vivem na periferia. Diariamente, os camelôs, moradores de rua, moradores de favelas e todos aqueles que não correspondem ao projeto de cidade que o Rio pretende ser têm seus direitos violados sem qualquer mediação do Estado, como ocorrido em outras grandes metrópoles que foram sede de megaeventos esportivos, como Barcelona, Londres e Pequim,
Segundo o Movimento Unido dos Camelôs, os ambulantes sofrem, regularmente, apreensão irregular de sua mercadoria pelos policiais, por intermédio de operações que  não estão de acordo com as exigências da lei, pois de acordo com o Termo de Ajuste e Conduta para este tipo de operação, precisa ser acompanhada por assistentes sociais.
As remoções e financiamentos federais para as intervenções urbanas que promovem remoções nos grandes projetos urbanos, como na Copa Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016, são o reflexo dessa política que a mídia coloca num patamar de desenvolvimento e crescimento econômico para o país. Crescimento à custa de quem?
Cabe perguntar onde a população se insere nos processos decisórios da construção dessas obras, de investimentos de empresas transnacionais, empreiteiras e imobiliárias. Sabemos que este capital, imobiliário, das empreiteiras, está ligado diretamente ao financiamento de campanhas eleitorais. Com isso, a democracia e os diretos da população são completamente esquecidos em nome de investimentos de quantias imensuráveis que são usadas indevidamente e sem qualquer participação popular.
Basta utilizar o transporte público, precisar de assistência médica, de educação pública que percebemos o quanto é frágil e degenerada a instituição pública e o quanto o privado se beneficia disso.
 Podemos constatar uma clara subordinação dos interesses públicos aos interesses de entidades privadas como Comitê Olímpico Internacional e a FIFA, o desrespeito sistemático à legislação urbana e aos direitos ambientais, aos direitos trabalhistas e ao direito ao trabalho, afora o desperdício dos recursos públicos, que deveriam estar sendo destinados às prioridades da população.
Uma das maiores provas disto é a Lei Geral da Copa sancionada em 5 de junho de 2012, utilizada também para a Copa das Confederações e Jornada Mundial da Juventude em 2013, na qual claramente garante o lucro da FIFA, de seus patrocinadores e grandes corporações, criando um modelo de cidade excludente.
No capitulo II da Lei Geral da Copa, consta o título Da Proteção e Exploração de Direitos Comerciais, na seção I da lei Da Proteção Especial aos Direitos de Propriedades Industrial Relacionados ao Evento e na seção II Das Áreas de Restrição Comercial e Vias de Acesso.
Isto coloca FIFA e sua subsidiária no Brasil num patamar diferente de outras empresas nacionais, isso dá à FIFA a isenção de praticamente todos os tributos federais. Em concreto, continuarão sendo tributados apenas as empresas nacionais, que não estejam integradas ao rol das vinculadas com a FIFA.
A cidade entra em num caos em função de disputa por espaço, território e direitos. Como maior obstáculo ao Projeto de Cidade dos monopólios estão dezenas de favelas, que de repente são postas como empecilho ao desenvolvimento e se tornam alvo do governo.
De um lado, o prefeito e outras autoridades dizem em alto e bom som que “não há remoções forçadas” no Rio de Janeiro e que todas as áreas atingidas por obras “estão sendo reassentadas e tratadas com dignidade”. Isto tudo com o respaldo do monopólio da imprensa que reproduz e endossa esse discurso e faz com que grande parte da população acredite que nada foge do habitual nas obras feitas para receber este megaevento.
No entanto, existem relatos que não são divulgados pela mídia, mas circulam com grande facilidade na internet. Estes relatos denunciam as remoções feitas de forma truculenta e sem o menor consentimento das famílias, que são postas na rua, sem aviso, sem informação dos motivos. Tratores chegam à noite para demolir favelas inteiras, famílias perdem suas casas, seus pertences, sua vida.
Cabe perguntar como são os procedimentos legais adotados pela Prefeitura Municipal nos processos de remoção. Em resposta temos um método de atuação eficaz que se repete  na atuação da prefeitura junto às famílias de baixa renda, moradoras de assentamentos informais. Em todos os casos, as remoções acontecem sem que os moradores tenham acesso às informações e sem que o projeto de urbanização para a área seja debatido com os moradores e a sociedade.
Como os projetos têm alto impacto econômico-social sobre milhares de famílias, Não há qualquer intenção do governo de ampliar o debate, para que não seja possível chegar a alternativas à remoção e aos impactos gerados por ela.
Como também não foi apresentado, até o presente momento, os projetos de urbanização, os motivos da remoção, os direitos que estas famílias têm incluindo as opções que a prefeitura municipal deve oferecer para os moradores. Tal como estabelecido pelo Estatuto da Cidade, além da obrigatoriedade das audiências públicas e do estudo de impacto de Vizinhança, a comunidade tem o direito de participar das decisões referentes às intervenções do poder público no local. Segundo o Estatuto da Cidade, é a denominação oficial da lei 10.257 de 10 de julho de 2001 que regulamenta o capítulo “Política urbana” da Constituição brasileira. Seus princípios básicos são o planejamento participativo e a função social da propriedade. O Estatuto criou uma série de instrumentos para que a cidade pudesse buscar seu desenvolvimento urbano, sendo o principal o plano diretor, que deve articular os outros no interesse da cidade.
O Estatuto atribuiu aos municípios a implementação de planos diretores participativos, definindo uma série de instrumentos urbanísticos que têm no combate à especulação imobiliária e na regularização fundiária dos imóveis urbanos seus principais objetivos.
Além de definir uma nova regulamentação para o uso do solo urbano, o Estatuto prevê a cobrança de IPTU progressivo de até 15% para terrenos ociosos, a simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a aumentar a oferta de lotes, e a proteção e a recuperação do meio ambiente urbano.
De acordo com pesquisa do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas o Estatuto da Cidade não tem sido respeitado. E não só o Estatuto da Cidade, como as legislações nacionais e internacionais que dizem respeito ao Direito à Moradia, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Constituição Federal, a Constituição Estadual, a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação e ao Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Na pesquisa consta, dentre outras informações importantes uma lista completa das violações denunciadas e documentadas em vídeos, trechos de depoimentos de moradores, uma tabela com o número de famílias removidas dentre outros. Os números são alarmantes e os depoimentos são a prova de como a Copa está sendo pautada, às custas de violações de direitos humanos e políticos dos cidadãos brasileiros, especialmente aqueles que tem menos renda.
Cabe perguntar, a Copa é pra quem mesmo?
Fonte: http://www.anovademocracia.com.br/

São Paulo: ‘Copa do Povo’ é fora do Itaquerão!

Na madrugada de 03 de maio, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizou uma grande ocupação com mais de mil famílias na Gleba do Pêssego, em Itaquera, Zona Leste da cidade de São Paulo. A área de 155 mil m², que estava abandonada, fica a 4 km do Itaquerão, estádio da abertura da Copa da Fifa. Após a ocupação, essa área está sendo “reclamada” pela Construtora Viver Incorporações (Inpar Projeto 47 SPE Ltda.). O grande acampamento ganhou o nome de Copa do povo.

A Nova Democracia esteve no local e presenciou a construção de várias barracas de lona. As famílias afirmam que após a escolha da Arena Corinthians (Itaquerão) para a abertura da Copa, os aluguéis aumentaram muito.
— Eu preciso de um canto pra acabar com esse problema. Eu vivo há dez anos criando os meus três filhos, sozinha! Sempre morei de aluguel e ainda não consegui o meu canto. A vida não é fácil para quem vive de aluguel e eu estou confiando que dessa vez eu vou conseguir o meu cantinho... Eu fiquei sabendo dessa luta através da minha tia que mora aqui. Meu filho Danilo [21 anos], também está aí, foi buscar bambu para gente fazer o barraco — diz Rose, ½ oficial de cozinha.
— Eu vim pra essa luta, por que estou desempregada com dois filhos e moro de favor com o meu avô, aqui próximo no Jardim Helian. Fiquei sabendo e vim lutar para ter minha casa — diz a jovem Bianca, com a pequena Milena, de 2 anos, no colo.
— Essas famílias são todas da região de Itaquera e estão em situação mesmo de pagar aluguel, que no último período tem aumentado quase que 100%. O aluguel acaba sendo maior que 80% do seu salário. Além disso, vêm de áreas de risco ou moram com familiares — diz Jussara, uma das lideranças do MTST.
O monopólio da imprensa alardeia a todo instante que o acampamento está “próximo” do Itaquerão.
— Não estamos tão próximos assim! Mas a própria ocupação em Itaquera é para demonstrar a conotação desse megaevento que vai acontecer. Os aluguéis aqui têm subido muito, as pessoas continuam sem saúde e um transporte de qualidade. Essas famílias já perceberam o aumento abusivo dos aluguéis e a gente tem aí mais de 30 bilhões investidos na Copa e nada de moradia popular na região. Então eu acho que a ocupação aqui, mesmo que eles queiram colocar povo contra povo, na verdade só vai demonstrar que o Estado brasileiro só pensa em pão e circo, na verdade nem tanto pão assim! — diz Jussara.
Os advogados do movimento, Dr. Ramon Koelle e Dr. Felipe Vono, conseguiram fazer com que o juiz Celso Maziteli Neto, da 3ª vara Cível do Fórum de Itaquera, suspendesse reintegração de posse (expedida em 7 de maio pelo mesmo juiz) após pedido de reconsideração. Agora haverá uma audiência no dia 23/5, no Fórum em Itaquera. Até lá não poderá ter despejo. 
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Acampamento conta com a participação de milhares de pessoas. A luta por moradia continua
No dia 10 de maio, Guilherme Boulos, coordenador do MTST, fez os informes sobre as negociações e rechaçou o espírito do ‘já ganhou’. Isso devido ao encontro com os gerentes Dilma e Fernando Haddad em 8 de maio.
— Tanto o prefeito quanto a presidenta se comprometeram a marcar uma reunião até quarta-feira dessa semana, junto também com o governador do estado. Essa reunião vai acontecer agora nos próximos dias, para discutir o destino e o procedimento que vai ser utilizado, para solução de moradia, para a ocupação Copa do Povo. Fez promessa, falou que ia incluir no “Minha casa, minha vida” e tal. Mas nós somos “gatos escaldados” e sabemos que, de promessa em promessa, isso não melhora a vida de ninguém. O que vai melhorar é fato concreto. Por isso nós deixamos claro uma coisa pra eles, tanto com a Dilma e o Haddad e depois também lá com o secretario do Alckmin. Deixamos claro para eles o seguinte: que, se eles acham que só vão passar um melzinho na boca e a gente vai sair daqui de boa antes da Copa, para eles fazerem a Copa e os jornalistas do mundo inteiro não nos verem aqui, se eles acham isso, eles estão enganados.  Que se eles quiserem tentar tirar a gente a força e achar que a gente vai sair com o rabinho entre as pernas, eles iam arrumar é um massacre da Copa do Mundo e essa Copa do Mundo ia virar sangrenta para eles e não ia ficar bonito isso pra ninguém! Só fazer uma promessa verbal de que vai dar moradia não sei quando não adianta. Não vamos aceitar, até mesmo por que esse ano é ano eleitoral e de promessa tá todo mundo aqui cheio. Não estamos pedindo nada impossível. Só vamos sair daqui com garantia — disse o coordenador.
Para mostrar a força da ocupação, Guilherme enfatizou que, durante os doze anos no movimento por moradia, nunca viu a presidência receber alguém e enfatizou que é necessário mostrar a cara, tomar as ruas e fazer manifestações, alertando que todos devem estar preparados para a luta.
Os movimentos de luta por moradia de São Paulo ainda pressionam pela aprovação na câmara dos vereadores do Plano Diretor, que estabelece o zoneamento da cidade conforme distintos interesses. A ideia é ampliar as Áreas de Interesse Social, o que pode facilitar a desapropriação de áreas para moradias populares. O MTST luta ainda para que a Gleba do Pêssego seja incluída como Área de Interesse Social.
O interessante é que, mesmo tendo na gerência federal a “Mãe do PAC” e criadora do programa “Minha casa, minha vida”, cresce em todo país a luta pela moradia, potencializada pelas constantes remoções e “higienização” das metrópoles.
Os vídeos produzidos por AND sobre a ocupação podem ser vistos em nosso canal no Youtube: www.youtube.com/user/patrickgranja.
Fonte: Jornal A Nova Demcracia

Copa da FIFA/BRASIL: Tem dinheiro público, sim, senhor

Copa da FIFA/BRASIL: Tem dinheiro público, sim, senhor

Governos estaduais usaram dinheiro público nas obras de 10 dos 12 estádios da Copa do Mundo. O gasto público estadual usado na construção das arenas soma pelo menos R$ 4,8 bilhões, segundo informações levantadas pela Pública entre o fim de maio e o início de junho no Portal da Transparência da Copa, de responsabilidade da Controladoria-Geral da União (CGU), nos contratos, diários oficiais, relatórios dos Tribunais de Contas Estaduais e acórdãos do Tribunal de Contas da União. A conta inclui as despesas relacionadas a empréstimos e investimentos diretos.
Em sete arenas, os governos estaduais assumiram dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Juntos, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro pegaram R$ 2,3 bilhões em empréstimos com o banco, que serão quitados somente entre 2025 e 2027. A quantia será paga com recursos desses governos. O Rio de Janeiro também tomou um empréstimo com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) no valor de R$ 250 milhões e usou uma porcentagem de um empréstimo de R$ 1,2 bilhão com a Caixa Econômica Federal para bancar a reforma do Maracanã.
Seis estados também firmaram parcerias público-privadas (PPPs) com empresas responsáveis pela construção e administração dos estádios, que serão remuneradas para isso. Estes contratos preveem pagamentos milionários feitos pelo poder público nos próximos anos.
Apesar dos sucessivos contatos da Pública com as secretarias estaduais responsáveis pelas obras e com os tribunais de contas estaduais (TCEs), em apenas seis casos foi confirmado o volume de recursos que o estado injetou diretamente nas arenas. Estas informações foram divulgadas pelos estados Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso e Paraná.
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A dívida pública com a Copa só começou a ser admitida recentemente pelo governo federal, que mantinha um discurso bem diferente. “Não haverá um centavo de dinheiro público para os estádios da Copa”, falou o ministro do Esporte, Orlando Silva, em 2007. As declarações oficiais mudaram este ano. Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff disse ao jornal português Público que nem “meio estádio” sairia sem dinheiro público. O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, deu uma explicação semelhante em entrevista ao UOL. “Havia uma pretensão, uma expectativa de que pudéssemos mobilizar a iniciativa privada para que ela desse conta [dos investimentos em estádios], (…) [mas] houve uma contradição entre o que se esperava e a realidade”, afirmou.
Na visão de Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas, entidade não-governamental que fiscaliza e estuda gastos do Estado, o discurso oficial confunde a população sobre o real custo das arenas da Copa para os cofres públicos. “O gasto público não está sendo divulgado de forma clara. Muitas vezes vemos na internet que os estados foram custeados com financiamentos e que serão pagos. Quando houve as manifestações de junho, a presidente foi a público dizer que não existem recursos do orçamento federal para estádios. Ela foi cirúrgica nessa declaração porque existem os financiamentos federais, mas existem os recursos dos orçamentos estaduais, municipais e do Distrito Federal que são dinheiro público, sim”, critica. Ele ainda ressalta que os empréstimos do BNDES ocorrem sob condições especiais de juros, em uma linha de financiamento criada exclusivamente para as arenas da Copa.
Houve casos em que os poderes estaduais tiveram que bancar completamente as obras, endividando-se com o BNDES e destinando verbas de seus cofres diretamente para os estádios. Para a construção da Arena da Amazônia, em Manaus, o governo recebeu R$ 400 milhões do BNDES, além dos R$ 269 milhões que estavam previstos para serem gastos na obra com dinheiro do tesouro estadual, segundo dados da CGU. Já o governo do Mato Grosso gastou R$ 286,3 milhões na Arena Pantanal, em Cuiabá, e ainda firmou um empréstimo de R$ 337,9 milhões com o banco.
Sandro Cabral, professor da Escola de Administração e coordenador de grupo de pesquisa sobre o legado das Arenas da Copa na Universidade Federal da Bahia (UFBA), acredita que a iniciativa privada percebeu que esses empreendimentos não eram vantajosos e não quis se comprometer com a construção ou operação dos estádios de Manaus e Cuiabá. “Esses casos nem atratividade para PPPs tiveram. Foram 100% públicos porque você não tem um campeonato local ou um clube de expressão que seja capaz de atrair jogos. A alternativa que sobrou foi fazer o governo investir”, aponta.
Os governos da Bahia, do Ceará e de Pernambuco também precisaram contratar empréstimos com o BNDES para ressarcir a iniciativa privada – responsável pelas obras das suas respectivas arenas, construídas no formato de parcerias público-privadas. O Maracanã, no Rio de Janeiro, é um caso à parte: depois de uma bilionária reforma bancada exclusivamente com recursos públicos, o governo do Rio concedeu o estádio à iniciativa privada por 35 anos.
Os contratos das PPPs de seis arenas também exigem que os governos estaduais paguem os parceiros privados por seus serviços. Esse valor, chamado de contraprestação, inclui os custos da obra, das operações financeiras e de manutenção e administração dos estádios, já que a exploração comercial das arenas ficará a cargo dessas empresas. “É a diferença de comprar uma casa à vista e uma casa financiada. Nas prestações de financiamento está embutido o custo financeiro. Além disso, tem uma pequena parcela que é do custo de manutenção dos estádios nesses anos todos, porque isso ficará também com o concessionário. Então as duas coisas se somam ao valor que, segundo a avaliação, custava a obra em si”, aponta Carlos Sundfeld, professor do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV).
Duas sedes do Nordeste possuem os maiores valores de contraprestação: em Natal, durante 12 anos, o governo chegará a pagar R$ 10,3 milhões por mês, enquanto em Salvador as despesas somam cerca de R$ 99 milhões por ano ao longo de 15 anos. Nos dois casos, o valor será corrigido anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e, em Natal, ele será reduzido ao longo da vigência da PPP.
Para Sandro Cabral, da UFBA, o que se espera é que numa PPP o Estado tenha o menor gasto possível. Mas, no caso dos estádios da Copa, não é isso que ocorre. “Muitos desses empreendimentos não têm capacidade de geração de receitas que sejam capazes de cobrir os custos da operação e de amortizar os custos de construção”, disse. O professor explica que, nesses casos, o poder público precisa garantir um faturamento mínimo para as concessionárias, para que esses empreendimentos sejam atraentes à iniciativa privada.
Apenas três arenas não resultaram em dívidas contraídas pelo poder público: a Arena Corinthians, que recebeu incentivos da Prefeitura de São Paulo, mas que será custeada pelo Corinthians; o estádio privado Beira-Rio, do Internacional de Porto Alegre; e o Mané Garrincha, em Brasília, que já custou R$ 1,4 bilhões aos cofres públicos, mas foi pago graças à venda de terras públicas pela Terracap.
Pública analisou os nove estádios restantes para mostrar o caminho que o dinheiro fez dos cofres públicos estaduais até os campos de futebol.

Amazônia e Pantanal – empréstimos do BNDES pagos com dinheiro público

A Arena da Amazônia, em Manaus, e a Arena Pantanal, em Cuiabá, são dois exemplos de estádios públicos nos quais, além da verba gasta diretamente pelos governos estaduais, estes precisaram tomar empréstimos significativos com o BNDES para botar as estruturas de pé para a Copa do Mundo. Em outras palavras, as duas arenas serão inteiramente pagas com dinheiro público dos estados – que já arcam com o aumento significativo do valor das obras.
Para o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, o número de sedes prejudicou o plano de bancar as arenas só com recurso privado. “Se nós tivéssemos feito seis estádios, teríamos conseguido”, disse. “Esse esforço de nacionalizar a Copa nos custou a necessidade de entrar com aportes maiores, digamos assim, sobretudo dos governos locais.”
O custo inicial da Arena da Amazônia, firmado pela Secretaria de Estado da Infraestrutura do Amazonas (Seinfra) e pela construtora Andrade Gutierrez, em 2010, era de R$ 499 milhões. Naquele mesmo ano, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) já afirmava que essa cifra não passava de faz-de-conta. O TCE apelidou o projeto básico da Arena da Amazônia de “jogo de planilha”, trabalho que foi realizado pelo Grupo Stadia (SD Plan) – que atuou também na Arena do Pantanal, em Cuiabá, e na das Dunas, em Natal – e pela gigante alemã GMP – que também participou dos projetos do Maracanã, no Rio, e do Mineirão, em Belo Horizonte. O órgão chegou a sugerir que fossem anuladas a licitação e a contratação da Andrade Gutierrez. Atualmente, a Seinfra informa que, dos R$ 669 milhões previstos, já foram contratados R$ 675,8 milhões para a Arena da Amazônia.
Em 2010, TCE-AM afirmava que orçamento inicial da Arena Amazônia, de  R$ 499 milhões,não passava de faz-de-conta (Foto: Portal da Copa)
Em 2010, TCE-AM afirmava que orçamento inicial da Arena Amazônia, de R$ 499 milhões,não passava de faz-de-conta (Foto: Portal da Copa)
O custo total da obra da Arena Pantanal, previsto na Matriz de Responsabilidades de 2010 como R$ 454,2 milhões, aumentou após uma série de nove aditivos e diversas irregularidades – incluindo sobrepreço e acréscimo maior do que 25% do valor inicial, como atestado pelo TCU no acórdão nº 1311/2014, de 21 de maio de 2014. Com os acréscimos, a parcela do empréstimo do BNDES destinada à construção do estádio subiu para R$ 337.900.362. Mas isso não alterou o valor global do empréstimo, que continuou a ser de R$ 392.952.860. Assim, quem arcou com o aumento nos custos da obra foi o governo do estado, que viu seu gasto direto saltar de R$ 124,2 milhões, previstos na Matriz de 2010, para pelo menos R$ 286,3 milhões, valor pago até agora, confirmado pela Secretaria da Copa do Mato Grosso (Secopa-MT). Segundo a secretaria, o governo já pagou R$ 628,4 milhões pela obra e a previsão de gasto total é R$ 646,5 milhões. A diferença será paga pelo estado, ou seja, os gastos vão subir.
O Mato Grosso começou a pagar a dívida com o BNDES em janeiro de 2014 e precisa quitá-la em dezembro de 2025, após 144 prestações mensais com valor médio de R$ 4.307.430, segundo estimativa do TCE-MT publicada em relatório de 2012. No texto, o tribunal alertou que o estado pode comprometer investimentos futuros para conseguir pagar os empréstimos de cerca de R$ 1,57 bilhão tomados para arcar com todos os custos do Mundial, já que vai destinar o correspondente a “79% do total do investimento em obras e instalações (aplicações diretas) realizado em 2012.”
Dos 10 relatórios produzidos pelo TCE-MT, este foi o único que atentou para essa questão. Os outros acompanharam apenas o andamento das obras. A assessoria de imprensa do TCE-MT informou que a análise do endividamento do estado não é feita nas contas relativas à Copa, e sim na auditoria realizada nas contas de governo. Os valores atualizados só serão divulgados nas próximas semanas.
A Arena Pantanal será inteira bancada com dinheiro público: o governo do MT fez um empréstimo de R$ 337,9 milhões com o BNDES e, além disso, já pagou R$ 286,3 milhões. (Foto: Portal da Copa)
A Arena Pantanal será inteira bancada com dinheiro público: o governo do MT fez um empréstimo de R$ 337,9 milhões com o BNDES e, além disso, já pagou R$ 286,3 milhões. (Foto: Portal da Copa)
Confusão de números
O Portal da Transparência da Copa divulga os valores totais previstos para reforma ou construção de cada estádio. Apesar de matemática, essa ciência não é exata. No levantamento feito pela Pública, por meio dos relatórios emitidos pelo Tribunal de Contas da União, pelos Tribunais de Contas dos Estados e pelos contratos entre governos, bancos e empresas, nem sempre a conta fecha com os números do Portal, divulgados pela Controladoria-Geral da União (CGU).
No caso da Arena da Baixada, por exemplo, o valor atestado pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 (Gecopa), fonte da CGU, é diferente do apresentado pelo TCE do Paraná em seu último relatório, baseado no orçamento feito pela própria sociedade do Clube Atlético Paranaense. Ali também não está previsto o empréstimo tomado pelo governo desse estado ao BNDES, no valor de R$ 131,1 milhões – o empréstimo consta em outra seção de financiamentos na página.
No caso do Maracanã, só dois dos três contratos firmados para a reforma do estádio estão contabilizados no Portal da Transparência. Há um valor relacionado como investimento direto do estado do Rio, mas o site não informa que ele inclui dois empréstimos tomados pelo governo estadual para bancar a reforma do estádio. Dos 16 aditivos já firmados ao contrato principal da reforma, apenas seis estão disponíveis no site.
Já na Arena das Dunas, a “previsão de investimento” apontada pelo Portal da Transparência e confirmada pela Secopa-RN é de R$ 400.000.000, valor atualizado em setembro de 2013. Mas esse número não é o custo total da obra, e sim, o valor estimado do contrato de PPP. A CGU explicou que o Rio Grande do Norte viabilizou a construção por meio desse contrato. No entanto, o estado não paga R$ 400 milhões diretamente à concessionária – em vez disso, remunera a empresa por meio da contraprestação, que segundo estimativa do procurador-geral do Ministério Público junto ao TCE, chega a um custo total de R$ 1,3 bilhão.
Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, afirma que a população brasileira está longe de ter um dado real sobre os gastos com estádios e com a Copa em geral. “Eu costumo dizer que só vamos saber realmente o custo da Copa no ano que vem ou daqui a dois anos. Muitas dessas obras ainda terão restos a pagar e vai se discutir o que era obra do estádio e o que não era. Dessa discussão é que vai surgir o valor global do que se gastou na Copa. Ninguém em sã consciência pode dizer que sabe hoje qual é o custo real do Mundial”, critica.
O TCU explicou que as diferenças nos valores do Portal da Transparência em relação aos acórdãos produzidos pelo tribunal se devem à origem das informações e ao momento em que os valores foram divulgados. O órgão disse ainda que irá monitorar as determinações feitas nos acórdãos apenas no segundo semestre de 2014, utilizando os relatórios finais de acompanhamento que só serão feitos pelo BNDES após o fim do Mundial.

Dinheiro público garante PPPs da Copa

As PPPs são uma alternativa para o poder público quando ele não dispõe de capital para conduzir uma obra, quando procura reduzir os gastos dos cofres públicos ou mesmo quando deseja rapidez, explica Francisco Vignoli, professor de Economia da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). “Hoje, se você considerar as características e especificidades que essas arenas têm, acho que fazer a concessão, desde que bem feita e que represente a possibilidade de o poder público ter o controle excessivo sobre aquilo que está sendo concedido, é uma boa medida”, opina o professor.
É esse, em tese, o caso da Arena Pernambuco, na qual foi firmada uma PPP com empresas do grupo Odebrecht. Na justificativa do governo estadual, que está presente nos relatórios do TCU e do TCE-PE, a parceria resultaria em uma economia de R$ 66 milhões. O representante do estado afirmou ainda que a “qualidade técnica do equipamento e dos serviços a serem prestados, que é de dificílima mensuração, seria, inevitavelmente, melhor alcançada pela modelagem da PPP”.
Entretanto, mesmo o modelo de PPP não eximiu o estado de contrair diversas dívidas: o governo de Pernambuco firmou um empréstimo de R$ 400 milhões com o BNDES, a ser pago até 2027 para ressarcir dois outros empréstimos tomados pelo consórcio que assumiu o estádio. Ainda se comprometeu a pagar, durante 30 anos, contraprestações que podem chegar a R$ 3,9 milhões por ano, reajustáveis de acordo com o IPCA.
O governo de Pernambuco também cedeu um terreno para a Odebrecht, que a empreiteira avaliou que irá render R$ 30 milhões em 10 anos – esse valor foi inclusive utilizado como garantia para fechar a PPP. Fora os três anos dedicados à construção, a concessionária será responsável pela operação da Arena Pernambuco por 30 anos, durante os quais terá direito à receita operacional e a receitas adicionais, das lojas e estacionamento. A obra está orçada em R$ 479 milhões, segundo o TCU.
Para construir a Arena Pernambuco, o governo do estado emprestou R$ 392,8 milhões do BNDES e firmou um contrato de PPP com o grupo Odebrecht. (Foto: Portal da Copa)
Para construir a Arena Pernambuco, o governo do estado emprestou R$ 392,8 milhões do BNDES e firmou um contrato de PPP com o grupo Odebrecht. (Foto: Portal da Copa)
“No final das contas, os estados é que assumiram o custo das obras, só que vão pagar no longo prazo na forma de remuneração para os concessionários”, explica Carlos Sundfeld, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
A situação é semelhante na Bahia, onde a Odebrecht também participa do consórcio vencedor da PPP da Fonte Nova, junto à OAS. O acordo prevê a concessão do estádio por 35 anos, precedida das obras de reconstrução. Para bancar a PPP, a Bahia se endividou em R$ 323,6 milhões com o BNDES, que começaram a ser pagos em fevereiro deste ano e serão liquidados em agosto de 2026.
Após quatro aditivos, o valor do contrato de PPP para a Fonte Nova subiu de R$ 591,7 milhões para R$ 689,4 milhões. A diferença entre os valores (R$ 97,7 milhões) foi paga pelo governo estadual para atender a exigências técnicas da FIFA. Além disso, os cofres públicos baianos irão arcar com uma contraprestação pública de R$ 99 milhões ao ano durante 15 anos, corrigidos pelo IPCA. Segundo o governo, a contraprestação “engloba custo relativo às obras, bem como aqueles relativos à manutenção e operação da Arena, às despesas pré-operacionais, aos encargos financeiros, tributos e remuneração do privado pelas inversões realizadas ao longo do período de concessão”.
Além de R$ 323,6 de dívida com o BNDES e mais gasto de R$ 97,7 milhões, governo da BA terá que arcar contraprestação bilionária para concessionário da Arena Fonte Nova. (Foto: Wikicommons)
Além de R$ 323,6 de dívida com o BNDES e mais gasto de R$ 97,7 milhões, governo da BA terá que arcar contraprestação bilionária para concessionário da Arena Fonte Nova. (Foto: Wikicommons)
A PPP também pressupõe que, caso a receita estimada no ano para a Fonte Nova não seja atingida (cerca de R$ 23 milhões), o valor que faltar seja completado em partes iguais por Estado e consórcio. Para viabilizar o negócio, o consórcio fechou um acordo com o Bahia, no qual o clube se compromete a mandar 33 jogos por ano na Fonte Nova, e o consórcio paga R$ 9 milhões ao ano ao Tricolor baiano. “No caso da Fonte Nova, somente com o Bahia jogando e com o projeto arquitetônico que foi feito aqui, você não vai conseguir gerar receita o suficiente para cobrir a operação e parte da construção”, afirma o professor Sandro Cabral, da UFBA. “Caso tivesse outro projeto arquitetônico, em que houvesse um shopping atrelado ao empreendimento, se jogassem Bahia e Vitória ali, ela conseguiria ressarcir boa parte dos custos de construção. Mas não foi esse o projeto escolhido pelo governo.”
A Arena Castelão, palco cearense da Copa do Mundo, também foi reformada a partir de um contrato de PPP. Firmado em 2010, o documento define a concessão do estádio por oito anos para o consórcio formado pelas construtoras Galvão Engenharia e Serveng, além da operadora BWA. O contrato define que o governo cearense pague R$ 518,6 milhões ao consórcio pelas obras no estádio e serviços prestados. Esse valor deve ser quitado até o meio de 2018.
Para financiar todo esse montante, o governo cearense recorreu a um empréstimo de R$ 351,5 milhões com o BNDES e completará o restante com recursos diretos do tesouro estadual. O governo terá de 15 de janeiro de 2014 a 15 de dezembro de 2025 para amortizar a dívida contraída com o banco federal.
Castelão deixa o legado de R$ 351,5 milhões em dívidas com o BNDES para o governo do estado do Ceará. (Foto: Portal da Copa)
Castelão deixa o legado de R$ 351,5 milhões em dívidas com o BNDES para o governo do estado do Ceará. (Foto: Portal da Copa)
O governo do Ceará justificou o negócio dizendo que “a contratação da PPP foi autorizada pelo Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas do Estado, (…) após a análise dos estudos de viabilidade econômico-financeira realizados, embasados na metodologia do PSC – Public Sector Comparator, desenvolvida pela Partnerships Victoria da Austrália. (…) A contratação da PPP é o procedimento mais adequado para o Estado. Ratificamos a necessidade de promover a citada concorrência visando consolidar a realização da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 em nosso Estado, garantindo seu legado econômico e social”.
Para viabilizar a Copa, o Rio Grande do Norte também optou pela PPP e firmou um contrato de concessão administrativa com a Arena das Dunas Concessão e Eventos S/A, em abril de 2011. A empresa, que tem como acionista única a construtora OAS, ficou responsável pela demolição do antigo estádio, além de construir e administrar a Arena das Dunas durante 20 anos. Nesse período, o lucro do estádio será dividido igualmente entre o estado e a concessionária.
O custo previsto da obra era de R$ 350 milhões em 2010. O valor subiu e, em outubro de 2011, a empresa assinou um contrato com o BNDES para emprestar R$ 396.571.000 – que se somaram aos R$ 3,5 milhões de investimento direto do estado, valor previsto no Portal da Transparência.
No caso de Natal, o que chama a atenção é a contraprestação, valor que o estado paga todo mês à concessionária, reajustado anualmente com o IPCA e reduzido progressivamente ao longo da concessão. Segundo Luciano Ramos, procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, o custo atualizado da contraprestação é de aproximadamente R$ 10,3 milhões. Ele estima que até 2031, quando acaba o contrato de PPP, o estado pagará, no total, R$ 1,3 bilhão à concessionária – quase três vezes o investimento previsto para o empreendimento no Portal da Transparência.
“O Estado do Rio Grande do Norte se endividou ao longo dos próximos anos com a obrigação de pagar mensalmente a contraprestação pecuniária, comprometendo, em valores atuais, 2,4% da Receita Corrente Líquida do Estado”, informou o procurador-geral Luciano Ramos. “[O Rio Grande do Norte] atualmente possui inúmeros problemas financeiros que não têm como causa única o endividamento com a Arena das Dunas, porém, direta ou indiretamente, [são] alimentados pelos recursos que são mensalmente canalizados para o estádio, em detrimento de outros gastos prioritários.”
No TCE-RN há um processo específico (nº 11750/2011) para apurar a viabilidade do estádio e a legalidade da PPP, mas a Comissão de Fiscalização e Acompanhamento da Copa 2014 (Cafcopa) ainda não emitiu nenhum relatório sobre o assunto. Outro processo (nº 477/2013) informa que o tribunal estava impedido de investigar irregularidades que prejudicassem o orçamento público porque o projeto executivo apresentado pela concessionária da Arena das Dunas estava pouco detalhado.
Já o TCU alertou, ainda em 2011, no acórdão 843, que os riscos assumidos no contrato de PPP eram assimétricos. O órgão pediu a retirada das cláusulas que obrigavam o estado a arcar com a mudança de preços dos insumos causadas por impactos no mercado financeiro. Para o TCU, esse risco deveria ser assumido pela concessionária. No entanto, isso não aconteceu e o acordo acabou sendo firmado nesses termos.
A reportagem da Pública entrou em contato com a Secretaria da Copa do Rio Grande do Norte (Secopa-RN) no dia 29 de maio para confirmar o custo total das obras, o valor da contraprestação da PPP e por que o estado escolheu este modelo, mas a Secopa respondeu apenas à primeira questão. No dia 3 de junho, a assessoria de imprensa informou que as demais perguntas foram levadas ao secretário Demétrio Torres, “mas infelizmente ele não respondeu”.
Apesar de não ter feito empréstimos com o BNDES, estima-se que o governo do RN chegará a pagar R$ 1,3 bilhão para a empresa que construiu e irá administrar a Arena das Dunas, já que foi firmada uma PPP. (Foto: Portal da Copa)
Apesar de não ter feito empréstimos com o BNDES, estima-se que o governo do RN chegará a pagar R$ 1,3 bilhão para a empresa que construiu e irá administrar a Arena das Dunas, já que foi firmada uma PPP. (Foto: Portal da Copa)
Mesmo os estados que não firmaram empréstimos com o BNDES não estão isentos de dívidas resultantes da construção das arenas da Copa. É esse o caso do governo de Minas Gerais que, para ter o Mineirão reformado, firmou uma PPP que, se por um lado, deixou o custo das obras ao encargo da iniciativa privada, por outro exigiu o pagamento de contrapartidas anuais à concessionária Minas Arena até 2037 – um pagamento que justamente busca cobrir parte dos gastos do ente privado com a reforma, dentre eles um empréstimo de R$ 400 milhões tomado pela concessionária junto ao BNDES.
O governo mineiro assumiu dois tipos de contrapartida com o consórcio, formado por Construcap, Egesa e HAP Engenharia. A primeira é uma dívida fixa paga em parcelas mensais decrescentes, que começou em 2013, com R$ 7,7 milhões, e termina em 2022, com R$ 4,2 milhões – valores que serão corrigidos pelo IPCA. A segunda é uma dívida variável que depende do lucro que a Minas Arena obtém com o estádio. Quanto menor a receita do consórcio, estritamente vinculada à média de público, mais o governo paga ao ente privado, e vice-versa. Na pior das hipóteses, segundo documento da Secopa-MG, o governo mineiro pode pagar até R$ 677 milhões à Minas Arena ao final de 27 anos. Na hipótese mais realista, o governo deve transferir R$ 473 milhões.
A Secretaria de Estado do Governo de Minas, que se recusou a conceder entrevista comentando a PPP do Mineirão, informou que a parceria reduziu o custo da obra em R$ 100 milhões em relação ao que teria custado caso fosse realizada pelo governo. O TCE-MG, mesmo após sucessivas ligações da reportagem, recusou-se a comentar a análise que fez do projeto executivo do Mineirão – que é obrigatória para a liberação de mais de 65% do empréstimo do BNDES. A Minas Arena negou-se a divulgar as médias de público ou de faturamento, alegando sigilo.
Para Carlos Sundfeld, da FGV-SP, as construções dos estádios não seriam viáveis se fossem unicamente bancadas pelos entes privados. “Esse negócio é completamente inviável não fosse um cliente que é o estado, que se dispõe a investir recursos do seu orçamento, no curto e no longo prazo, para pagar a construção desse estádio e manutenção a longo prazo. É um custo público assumido pelo país a partir do projeto que foi coordenado pelo governo federal”, acredita. “Saber o que é melhor ou pior depende um pouco da situação do estado, se ele tem dinheiro disponível ou não tem, se os juros são bons ou ruins… Mas o grosso da remuneração do concessionário vem do estado.”

A dívida sem fim do Maracanã

A previsão do custo da reforma do Maracanã era de R$ 600 milhões, entre financiamentos do BNDES e recursos diretos do governo do Rio de Janeiro, como constava na da Matriz de Responsabilidades de 2010. O documento, elaborado pelo Ministério do Esporte, lista todos os investimentos necessários para a Copa do Mundo.
Quatro anos (e 16 aditivos ao contrato principal) depois, a obra dobrou de preço, chegou a R$ 1,2 bilhão – sem contar as estruturas temporárias da Copa – e trouxe mais endividamento aos cofres fluminenses do que o esperado: além do empréstimo de R$ 400 milhões com o BNDES, o governo estadual recorreu a um empréstimo de R$ 250 milhões do CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) e ainda destinou uma porcentagem de um empréstimo de R$ 1,2 bilhão, contraído junto à Caixa Econômica Federal, para ajudar a bancar a reforma. O restante foi pago com recursos do tesouro do Estado. O saldo final deixa o Maracanã como o segundo estádio mais caro da Copa do Mundo, perdendo apenas para o Mané Garrincha, em Brasília.
Em setembro de 2014, passado o furor da Copa e a final no Maracanã, o governo do Rio começará a pagar a dívida de R$ 400 milhões com o BNDES que, segundo o contrato, deve ser quitada até agosto de 2026. A Pública procurou a Secretaria de Obras do Rio de Janeiro, responsável pela obra do Maracanã, para saber o prazo de pagamento dos outros empréstimos e a porcentagem do empréstimo da Caixa usado no estádio, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.
Em abril deste ano, uma nota da coluna “Radar”, da Revista Veja, informou que, segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), houve superfaturamento de R$ 67 milhões na obra do Maracanã. Segundo o documento, houve pagamentos indevidos nesse montante na reforma do estádio. “Constatam-se diversas incompatibilidades entre os serviços em execução e os projetos disponibilizados”, diz um trecho do relatório divulgado pelo site Globoesporte.com. A Pública pediu acesso ao relatório do TCE, mas não teve resposta da assessoria de imprensa do órgão. O documento ainda não foi a plenário.
Enquanto o Maracanã ainda estava em obras, o governo estadual publicou em 25 de fevereiro de 2013 o edital de concorrência para a concessão do estádio e do Maracanãzinho à iniciativa privada por 35 anos. O estudo de viabilidade do projeto foi elaborado pela IMX Holding. Segundo o documento, o negócio trará um lucro líquido de R$ 1,4 bilhão à concessionária no período. O edital previa um investimento privado de R$ 594,1 milhões. Entre esses investimentos estariam a demolição do Estádio de Atletismo Célio de Barros, do Parque Aquático Julio Delamare, do presídio Evaristo de Moraes e da Escola Municipal Friedenreich, equipamentos públicos situados no entorno do estádio (o antigo Museu do Índio também seria transformado em um Museu do Futebol). Eles dariam lugar a dois edifícios-garagem e a quadras de aquecimento. “Com o projeto, pretende-se transformar o atual Complexo do Maracanã, hoje de caráter exclusivamente esportivo, em um verdadeiro ‘Complexo de Entretenimento’”, diz um trecho do estudo.
Segundo estádio mais caro da Copa, governo do Rio tomou três empréstimos para deixar o Maracanã pronto. (Foto: Wikicommons)
Segundo estádio mais caro da Copa, governo do Rio tomou três empréstimos para deixar o Maracanã pronto. (Foto: Wikicommons)
Pelo direito de explorar a nova área durante o período de vigência da PPP, a concessionária pagaria ao governo estadual R$ 4,5 milhões ao ano. Segundo o estudo de viabilidade, o entorno do Maracanã, cedido para a exploração da concessionária como contraprestação, traria receitas de R$ 12,15 milhões ao ano.
“Ou seja, o oferecimento de uma torna [isto é, um retorno] no valor de R$ 4,5 milhões por ano representará um resultado negativo para o Estado do Rio de Janeiro, na ordem de R$ 7,65 milhões por ano”. A frase é de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) que traz uma série de questionamentos à concessão do Maracanã para a iniciativa privada. O MP-RJ apontou que a concessão era desnecessária à Copa, já que as intervenções necessárias já estavam sendo feitas pelo contrato de reforma, e prejudicial à Olimpíada, pois o projeto aprovado com o comitê organizador dos Jogos Olímpicos não previa as intervenções citadas no edital.
A contraprestação pública também foi alvo do MP-RJ: “Os investimentos previstos no processo de concessão se destinam primordialmente à maximização do aproveitamento econômico do Complexo Maracanã”, afirma a ação. “Evidentemente, a maximização da rentabilidade do investimento privado não consiste em um fim público, por si só, que justificasse o oferecimento de uma contraprestação pública. [Isto] somente se justificaria caso os investimentos a serem realizados pelo particular efetivamente revertessem em obras de interesse público”, afirma o MP-RJ. Segundo o órgão, só com as receitas do estádio e do Maracanãzinho, o negócio já seria economicamente viável para a concessionária e a contraprestação é “lesiva ao erário”.
A ação proposta pelo Ministério Público, no entanto, não prosperou. Em 4 de junho de 2013, após uma queda de braço jurídica entre MP e o governo do Rio, o contrato foi assinado. O valor da contraprestação subiu para R$ 5,5 milhões ao ano. Meses mais tarde, após as manifestações de junho que, no Rio de Janeiro, questionaram vários aspectos da reforma e concessão do Maracanã, a demolição dos equipamentos do entorno do estádio foi cancelada. A concessão, no entanto foi mantida e o governo do Rio afirma que os investimentos previstos foram revertidos em reformas do Célio de Barros, do Júlio Delamare e do prédio do antigo Museu do Índio.
Em resposta à Pública, a Secretaria da Casa Civil do Rio de Janeiro afirmou que “após passar por uma ampla obra de restauro e adequação para que possa receber os grandes eventos esportivos, o Maracanã se tornou um dos estádios mais modernos, confortáveis e seguros do mundo, de alta complexidade e grandes custos de manutenção e conservação. Repassar tais custos foi um dos objetivos do governo do estado ao optar pela concessão, evitando a necessidade de novos investimentos públicos. Além disso, o estado visou ainda a contratar uma gestão profissionalizada e eficiente, para oferecer mais conforto aos frequentadores. A concessão foi realizada após as obras uma vez que a adequação foi um compromisso assumido pelo governo do estado junto à FIFA e ao COI para que o estádio possa receber os eventos esportivos”.

Arena da Baixada – Clube privado, dívida pública

A Arena da Baixada, em Curitiba, é o estádio do Clube Atlético Paranaense. Mas na obra da iniciativa privada, o dinheiro também sai dos cofres públicos, seja pelo empréstimo tomado pelo governo do Paraná, seja em financiamentos feitos pela Fomento Paraná, responsável por gerir o Fundo de Desenvolvimento Econômico (FDE) do estado, seja por incentivos da Prefeitura de Curitiba.
O governo do Paraná tomou um empréstimo de R$ 131,168 milhões com o BNDES pelo programa ProCopa Arenas. Apesar de esse valor ter sido usado pela CAP S.A., sociedade formada majoritariamente pelo Atlético Paranaense, deverá ser pago com dinheiro do tesouro do estado. Isso por conta de uma triangulação feita entre o governo do Paraná, o Fundo de Desenvolvimento Econômico (intermediário no repasse do empréstimo do BNDES) e a CAP S.A.
“A CAP S.A. vai devolver os recursos ao FDE de acordo com os contratos, garantias e prazos estipulados. Esses recursos, ao serem devolvidos pela CAP S.A., permanecerão capitalizados no FDE, onde serão utilizados para financiar outras operações com empreendedores privados de micro, pequeno e médio porte. O Estado é o responsável por reembolsar o BNDES pelos recursos do financiamento à CAP S.A.”, explicou a assessoria de imprensa da Fomento Paraná, via e-mail.
Estádio do Clube Atlético Paranaense era para ser privado, mas também foi bancado com dinheiro público do governo do Paraná. (Foto: Divulgação/CAP S.A)
Estádio do Clube Atlético Paranaense era para ser privado, mas também foi bancado com dinheiro público do governo do Paraná. (Foto: Divulgação/CAP S.A)
Devido aos sucessivos aumentos no orçamento da Arena, novos financiamentos foram retirados do Fundo de Desenvolvimento Econômico do Paraná para a CAP S.A., em uma quantia que soma R$ 160,7 milhões em empréstimos, além do valor que veio do BNDES.
Em março deste ano, uma nota divulgada pela assessoria de imprensa do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) afirmava que ainda não era possível determinar o valor real da reforma e ampliação da Arena da Baixada. Isso porque, apesar de o último valor informado pela CAP S.A. ser de R$ 330,6 milhões, a Fomento Paraná, órgão que viabilizou os empréstimos, não chegou a fazer a análise do orçamento para verificar esse custo.
Fonte: http://apublica.org/